os outros
Quando cheguei à praia, às dez da manhã, eles já estavam lá. Claro. Naquela idade, acordar antes disso não era um sacrifício tão grande. Lembro bem.
Fiquei parado lá em cima, perto do velho quiosque de sanduíche natural, vendo as ondas havaianas que quebravam naquele domingo, em Itacoatiara. Eles estavam na areia, também observando o mar e, por isso, não notaram a minha presença imediatamente.
Era estranho nós três, ali. Mas era inevitável. Eu sabia desde o princípio. Por isso decidi voltar àquela praia depois de tantos anos. Na véspera, eu havia lido textos que escrevi tempos atrás. Alguns, carregados de nostalgia. E um deles era sobre Itacoatiara, uma praia que chamei de minha. Então soube que eles estariam lá e que o encontro precisava acontecer logo.
Enquanto eles ainda admiravam as ondas, as maiores que viram na vida até aquele momento, tirei os olhos do mar e passei a observá-los com mais atenção - afinal, quando tinha dez anos a mais que eles, eu fui ao Havaí e vi ondas maiores que as que quebravam em Itacoatiara. Aquilo não me impressionava tanto.
O que me impressionava era me ver duplo ali na areia, dezesseis anos atrás.
O eu que eu era. E o eu que nunca fui. Por falta de vondade, de oportunidade ou de coragem, não sei explicar por quê.
Nem preciso, aliás. Já passou.
Mas lá estavam eles. Tão iguais e tão diferentes.
Um eu conhecia bem. Estava se divertindo com um grupo de amigos, sem muita preocupação com o que o restante da praia estava fazendo. E muito menos sobre o que as outras pessoas pensavam sobre ele. Divagava sobre as ondas, se imaginava naquele mar, dropando as montanhas de água que cresciam na sua frente. Um sonho recorrente. Também divagava sobre as mulheres. Olhava para as meninas mais bonitas da praia, sonhando com elas. No entanto, sabia que só as normais, quando muito, talvez devolvessem o olhar. Mas estava tranqüilo, aos 18 anos, confiava em si mesmo e sentia que tinha a vida inteira pela frente para, se quisesse um dia, surfar as melhores ondas ou pegar as meninas mais bonitas da praia.
O outro era um estranho completo. O oposto daquele que eu fui. Enquanto eu estava observando o primeiro, ele pegou a prancha e, quando botei os olhos sobre ele, já caprichava na parafina. Afinal, aquele mar não estava para brincadeira. As meninas mais bonitas da praia estavam olhando - e suspirando - para ele. Todas com cintura mais fina que as abelhas que insistiam em voar pela praia à procura de latas de coca abertas. As meninas normais também olhavam e suspiravam, mas para essas ele não dava bola, não. Sabia que tinha as meninas-abelhas a seus pés. Estava ao lado de um grupo de amigos. Pareciam todos iguais. Clones uns dos outros. Me esforcei para descobrir sobre o que conversavam enquanto faziam alongamento antes de entrar no mar, mas foi em vão. Estavam calados, talvez conversando com a prancha e com as ondas. Eles sabiam fazer isso muito bem.
Desci para a areia, abri minha cadeira, passei protetor solar fator 30 no corpo inteiro, peguei um livro de Nick Hornby e abri na página 107, para começar a ler o segundo capítulo. Ainda procurei por amigos que, porventura, pudessem ter tido a mesma idéia que eu, mas não encontrei nenhum rosto conhecido além dos meus. Mesmo assim, fiquei quase quatro horas por ali, reencontrando um pouco do meu passado.
Na hora em que me levantei para ir embora, os dois olharam na minha direção. Foi estranho. Parecia que estavam procurando alguma coisa. Como se alguém os tivesse chamado. Olhei para os dois. Eles estavam perto um do outro, mas em grupos separados. O que eu fui, se assustou quando me viu. Acho que não estava preparado para me ver sem cabelo e com uns 20 e poucos quilos a mais do que naquela época. Mas depois, sorriu. Entendeu o que eu estava fazendo ali. Deu pra perceber que passou pela sua cabeça uma série de perguntas que gostaria de ter feito sobre a minha vida. Mas ele viu que era inútil. Eu não iria responder. Seria injusto com nós dois. Trocamos um aceno e ele voltou a conversar com os amigos, agora sobre uma menina espetacular que estava chegando na praia. O outro me olhou tão rapidamente que, quando devolvi o olhar, ele já não estava mais dando a mínima. Voltei a me esforçar pra ouvir o que ele dizia e, desta vez, consegui.
- Sei lá, brother. Senti uma parada estranha. Parecia que alguém tava me chamando. Quando olhei na direção, só vi um tiozão careca. Deve estar aqui lembrando do passado. Maior houle.
Achei engraçado.
Quando cheguei do lado do quiosque de sanduíche natural, pensei numa coisa ainda mais estranha: e se o outro também estiver aqui nos vendo 16 anos atrás? Fiquei por ali mais um tempo, procurando. Não encontrei.
Uma pena.
Queria conversar com ele.
Saber se ele está feliz como eu estou.
Quando cheguei à praia, às dez da manhã, eles já estavam lá. Claro. Naquela idade, acordar antes disso não era um sacrifício tão grande. Lembro bem.
Fiquei parado lá em cima, perto do velho quiosque de sanduíche natural, vendo as ondas havaianas que quebravam naquele domingo, em Itacoatiara. Eles estavam na areia, também observando o mar e, por isso, não notaram a minha presença imediatamente.
Era estranho nós três, ali. Mas era inevitável. Eu sabia desde o princípio. Por isso decidi voltar àquela praia depois de tantos anos. Na véspera, eu havia lido textos que escrevi tempos atrás. Alguns, carregados de nostalgia. E um deles era sobre Itacoatiara, uma praia que chamei de minha. Então soube que eles estariam lá e que o encontro precisava acontecer logo.
Enquanto eles ainda admiravam as ondas, as maiores que viram na vida até aquele momento, tirei os olhos do mar e passei a observá-los com mais atenção - afinal, quando tinha dez anos a mais que eles, eu fui ao Havaí e vi ondas maiores que as que quebravam em Itacoatiara. Aquilo não me impressionava tanto.
O que me impressionava era me ver duplo ali na areia, dezesseis anos atrás.
O eu que eu era. E o eu que nunca fui. Por falta de vondade, de oportunidade ou de coragem, não sei explicar por quê.
Nem preciso, aliás. Já passou.
Mas lá estavam eles. Tão iguais e tão diferentes.
Um eu conhecia bem. Estava se divertindo com um grupo de amigos, sem muita preocupação com o que o restante da praia estava fazendo. E muito menos sobre o que as outras pessoas pensavam sobre ele. Divagava sobre as ondas, se imaginava naquele mar, dropando as montanhas de água que cresciam na sua frente. Um sonho recorrente. Também divagava sobre as mulheres. Olhava para as meninas mais bonitas da praia, sonhando com elas. No entanto, sabia que só as normais, quando muito, talvez devolvessem o olhar. Mas estava tranqüilo, aos 18 anos, confiava em si mesmo e sentia que tinha a vida inteira pela frente para, se quisesse um dia, surfar as melhores ondas ou pegar as meninas mais bonitas da praia.
O outro era um estranho completo. O oposto daquele que eu fui. Enquanto eu estava observando o primeiro, ele pegou a prancha e, quando botei os olhos sobre ele, já caprichava na parafina. Afinal, aquele mar não estava para brincadeira. As meninas mais bonitas da praia estavam olhando - e suspirando - para ele. Todas com cintura mais fina que as abelhas que insistiam em voar pela praia à procura de latas de coca abertas. As meninas normais também olhavam e suspiravam, mas para essas ele não dava bola, não. Sabia que tinha as meninas-abelhas a seus pés. Estava ao lado de um grupo de amigos. Pareciam todos iguais. Clones uns dos outros. Me esforcei para descobrir sobre o que conversavam enquanto faziam alongamento antes de entrar no mar, mas foi em vão. Estavam calados, talvez conversando com a prancha e com as ondas. Eles sabiam fazer isso muito bem.
Desci para a areia, abri minha cadeira, passei protetor solar fator 30 no corpo inteiro, peguei um livro de Nick Hornby e abri na página 107, para começar a ler o segundo capítulo. Ainda procurei por amigos que, porventura, pudessem ter tido a mesma idéia que eu, mas não encontrei nenhum rosto conhecido além dos meus. Mesmo assim, fiquei quase quatro horas por ali, reencontrando um pouco do meu passado.
Na hora em que me levantei para ir embora, os dois olharam na minha direção. Foi estranho. Parecia que estavam procurando alguma coisa. Como se alguém os tivesse chamado. Olhei para os dois. Eles estavam perto um do outro, mas em grupos separados. O que eu fui, se assustou quando me viu. Acho que não estava preparado para me ver sem cabelo e com uns 20 e poucos quilos a mais do que naquela época. Mas depois, sorriu. Entendeu o que eu estava fazendo ali. Deu pra perceber que passou pela sua cabeça uma série de perguntas que gostaria de ter feito sobre a minha vida. Mas ele viu que era inútil. Eu não iria responder. Seria injusto com nós dois. Trocamos um aceno e ele voltou a conversar com os amigos, agora sobre uma menina espetacular que estava chegando na praia. O outro me olhou tão rapidamente que, quando devolvi o olhar, ele já não estava mais dando a mínima. Voltei a me esforçar pra ouvir o que ele dizia e, desta vez, consegui.
- Sei lá, brother. Senti uma parada estranha. Parecia que alguém tava me chamando. Quando olhei na direção, só vi um tiozão careca. Deve estar aqui lembrando do passado. Maior houle.
Achei engraçado.
Quando cheguei do lado do quiosque de sanduíche natural, pensei numa coisa ainda mais estranha: e se o outro também estiver aqui nos vendo 16 anos atrás? Fiquei por ali mais um tempo, procurando. Não encontrei.
Uma pena.
Queria conversar com ele.
Saber se ele está feliz como eu estou.