�nibus

Essas moedinhas que os trocadores d�o de troco pra gente s�o um saco de carregar. Pelo menos o �nibus t� vazio e posso ficar na janela. Me acomodo dentro do agasalho e olho para a rua, as pessoas, os carros, os c�es, os momentos que passam. Parece um filme, uma dan�a hipn�tica de asfalto papel cimento borracha concreto carne metal amendoeira dondoca cachorrinho concreto amendoeira folhas p�lo latido asfalto metal gente verdura dondoca legume amendoeira moleque olha a bala sinal... chega.
O �nibus entra pela rua da praia, observo entre intervalos de amendoeiras desfolhadas... a areia � amarela, amarela mesmo... cheia de lixo, vasilhas, laranjas podres, latas, garrafas pl�sticas, �leo e... outras coisas... podres. A �gua � marrom, oleosa furta-cor. Uma gaivota cinza escuro, voa num c�u cinza claro pr�ximo a um urubu pretinho.
O urubu pretinho ganha altura e desaparece no c�u cinza claro, a gaivota cinza escuro mergulha e desaparece na �gua marrom... demora... demora... demora... penso que morreu... demora e... VAPT, retorna batendo as asas, pesadas de �leo furta-cor...mas o que � aquilo... um peixe no bico... c�us... um peixe! Como consegue sobreviver na latrina marrom cheia de �leo. Vai ver, a po�a tem jeito! Ou aquele � um peixe mutante.
O vidro emba�a, afasto a cara da janela, o vidro desemba�a e vejo os urubus. Um grupo est� em volta de algo, com certeza � carni�a de algum animal que talvez n�o fosse mutante, que as ondas e mar�s trouxeram at� a praia... um urubu olha em dire��o ao asfalto... n�o... parece que olha para o �nibus e... de repente, sem mais nem menos... me ocorre que Ele est� l� em cima, de bra�os abertos, vendo tudo... h� anos... Ele n�o deve gostar disso, mas, mesmo assim, Ele n�o faz nada, de bra�os abertos a lamentar... orando... perdoe-os eles n�o sabem o que fazem!
Um b�bado, barulhento, fedendo, entra no coletivo e... C-O-L-E-T-I-V-O coletivo, de onde tirei esse �coletivo�... interrompe a alucina��o moment�nea. De short, sem camisa, sand�lia de dedo gasta, pula a roleta... com cara de T� OLHANDO O QUE enquanto o trocador resmunga baixo, sem disposi��o de enfrentar o sujeito... que pelo jeito vai sentar do meu lado, ent�o me espalho no banco... n�o senta... UFF!
Pela frente vem o senhoras e senhores... boa tarde... eu podia estar roubando... matando... vendendo droga... pedir dinheiro no sinal... mas n�o... venho pedir... sua colabora��o... comprando um delicioso --- ... na promo��o... s� aqui na minha m�o... � um por um dinheiro e... tr�s... por dois dinheiros... obrigado pela aten��o... tenham uma boa viagem... agrade�o a quem comprar... e Deus aben�oa a... todos... um aqui pra senhora... o senhor vai querer dois... ningu�m mais...
Volto a meus pensamentos, minha praia, minha po�a, minha gaivota, meu peixe mutante, meus urubus... tudo � um pouco meu... como o ar que respiro... cheio de fuligem, di�xido de carbono (CO2), mon�xido de carbono (CO), Chumbo (Pb), enxofre (S) etc... os urubus sumiram, devem estar voando sob o olhar e a prote��o D�Ele.
Abre-se uma fresta nas nuvens e o sol aben�oa a po�a d��gua com sua luz, seu calor... � muito bonito o contraste da nuvem cinza claro, com o c�u azul, com a �gua marrom e com o raio de sol que tem tonalidade dourada, apesar de tudo. Provavelmente Ele gosta disso... deve estar sorrindo.
O ponto � o pr�ximo, levanto, puxo a corda da campainha, o motorista pisa bruscamente no freio � eles sempre fazem isso � uma senhora escorrega no assento e vai ao ch�o trope�o cato cavaco equilibro o �nibus p�ra abre-se a porta olho para o motorista nem agrade�o des�o e, assim que des�o, algo meio l�quido meio pastoso me cai no ombro... brinda a orelha... �... isso mesmo... olho pra cima... maldito passarinho no galho da amendoeira sem folhas... um pouco mais acima, no alto de um poste... modorrento, galhofando na lumin�ria... est� meu urubu. S� consigo pensar que Ele... deve estar sorrindo... eu n�o.